segunda-feira, setembro 11, 2006

Eu também testemunho sobre o 9/11.

Foi há cinco anos, conforme me recordou o João. Cinco anos! Já lá vão cinco-anos-cinco desde que eu iniciei oficialmente a minha carreira como copywriter. Qual jornalista, qual redactora, qual quê!!? "Copywriter precisa-se", lia-se assim no anúncio ao qual respondera prontamente uns meses antes das torres caírem. Assim como assim, era fresca na agência. Tinha uns dois mesitos de casa e trabalhara durante o mês de Agosto. Não conhecia metade da equipa ainda. Naquele dia, fomos almoçar a uma churrasqueira piolhosa, mesmo ali ao lado. O director criativo, dois colegas designers, e eu, ainda meia envergonhada e gorda, também. Tínhamos acabado de nos sentar para almoçar quando a Ana, a copy sénior, chega, toda sorridente e exuberante, e se junta a nós, pedindo desculpa pelo atraso..."mas acho que houve uma confusão qualquer e que uma avionete se despenhou num centro comercial não sei onde", disse.
Na altura, eu ainda não conhecia a amplitude tétrica do humor negro da minha colega. Até hoje, continuo a achar que aquele comentário foi sincero e que ela não sabia mesmo aquilo a que se estava a referir. "Oh Ana", respondi-lhe eu, "esperemos que a avionete fosse telecomandada e o centro comercial estivesse vazio, caso contrário não terá assim tanta piada..." (Eu sei, eu ainda estava na fase de dizer coisas acertadinhas). Com uma fonte de informação como a Ana, não tardou que passássemos a assuntos realmente importantes como... futebol.
Quando nos levantámos para pagar, o dono da churrascaria, geralmente tão apressado e despachante, havia perdido todo o interesse em nos aviar. Estava colado à televisão gordurosa e mal sintonizada que havia por trás do balcão. No ecrã, via-se mal, mas não foi por isso que demorámos a perceber ao que estávamos a assistir: uma das torres gémeas já ardia. Um avião havia embatido no World Trade Center. E embateu várias vezes, por causa dos replays.
- "Centro comercial, ein, Ana? Avioneta?"
- "Eh, foi quase. O avião não parece assim tão grande..." e continuou como se nada fosse.
Entre o pagamento e o troco, veio mais um avião e acertou na segunda torre. A Ana já havia saído. Ela só trabalhava de manhã e tinha sempre muito que fazer. Nós, que restámos, ficámos especados em frente à televisão. O DC, geralmente um gajo cool, impávido e despreocupado, ostentava agora o semblante mais carregado de sempre, e as mãos mais enterradas nos bolsos do que o costume. Na mente dele, confrontavam-se agora as preocupações com uma Terceira Guerra Mundial (porquê usar maiúsculas para um acontecimento que nunca se deu?), o futuro dos dois filhos e a contracção do mercado publicitário. "Grande merda, isto é uma grande merda", dizia, "mas, porra, os americanos estavam a pedi-las. Não tenho pena nenhuma... só que isto vai f... tudo." Parecia filme. Eu própria imaginei alto cenário de guerra ali à volta, com a Boavista e a Praça do Bom Sucesso todas esburacadas de balas e a ser sobrevoadas por aviões B-52, sacos de areia e barricadas por todo o lado, fumo, e eu de farda beje e batom vermelho.
Voltámos para a agência, e juntámo-nos ao resto do pessoal que estava a assistir ao fim do mundo, lá em cima (seis andares acima) na sala de reuniões da Publicidade. Afinal, o fim do mundo é um fenómeno cuja importancia só encontrava comparação possível junto das viagens de mota do nosso Director ao Continente Africano e ilhas, e os videos dos "dias da agência" para cujo visionamento éramos sempre intimados a comparecer). Subi no elevador com a minha DC. A rapariga já soluçava. Adepta das medicinas alternativas e da paz interior, tremia como varas verdes e respirava fundo para se acalmar. O fraco resultado que conseguiu veio-se abaixo com a derrocada da primeira torre. Eh pah, que desgraça e tal... O pessoal estava lá todo, sem saber o que dizer. Minutos depois, estávamos quase a debandar quando caiu a segunda torre. As piadinhas à portuguesa começaram logo. Pronto, deja vu e tal, "se calhar era melhor irmos trabalhar, já não há ali nada para ver, esta cena já se está a repetir. Há pipocas? Mete mas é aí um filme de jeito...".
O resto do dia foi estranho. Ficámos todos muito calados...
É o que me lembro do 11 de Setembro de 2001.

A propósito, um filme de jeito:
Loose Change - Second Edition (Part 1)
Loose Change - Second Edition (Part 2)
Loose Change - Second Edition (Part 3)

4 Comments:

Blogger francisco carvalho said...

Excelente relato, Silvia.
E excelente memória!
Fiquei com inveja de ti, por não saber descrever assim as emoções vividas nesse dia.
Mas sobretudo fiquei impressionado como, em pequenos mas significativos pormenores, pintas o retrato fiel de como as pessoas (ia a dizer, os tugas...) estavam a reagir ao acontecimento.É que foi mesmo assim. E um pouco por todo o lado.
;)

terça-feira, 12 setembro, 2006  
Blogger Sérgio Mak said...

Eu não era copy na altura, coisa que agora já não posso afirmar, mas lembro-me de ter seguido quase tudo na altura na Internet...

Mas, há que dizer, no pormenor é que as histórias ganham valor e o teu relato nesse capítulo é bem rico :)

terça-feira, 12 setembro, 2006  
Blogger Sumares said...

Também foi o meu 1º dia de trabalho na editora. Ontem fez portanto também 5 anos. Escassas horas depois de iniciar o trabalho tinha o director, que é americano, aos berros e a telefonar para todos os seus amigos que trabalham na WTC. Que bom que estavam todos bem... Mas o que tenho pena é que outros atentados, nomeadamente feitos por americanos, não sejam considerados também "ataques terroristas"; é pena os americanos generalizarem e dizerem "o mundo foi atacado" e a maioria acreditar; é pena que, mesmo numa altura terrível para o seu país, os FDP dos americanos conseguirem uma imagem brutal daquelas, parece hollywood. Uma pena mesmo...

terça-feira, 12 setembro, 2006  
Blogger Luís said...

Desculpa-me mas fiquei "retido" na imagem da farda beje e do batom vermelho. Estavas a falar sobre?...

terça-feira, 12 setembro, 2006  

Enviar um comentário

<< Home