sexta-feira, maio 27, 2005

Recordações de família.

Para produzir a imagem do post do aniversário, andei a vasculhar no desorganizado arquivo fotográfico familiar: fotos da minha mãe nas suas incontáveis viagens, fotos dos meus passeios da escola e dos meus amiguinhos do liceu, misturadas com fotos de jantares de família. No meio do valioso acervo, fui encontrar umas fotografias que, pelos vistos, o meu avô materno tinha pedido à minha mãe para guardar. Eram fotos de pessoas que eu nunca as tinha visto ou sequer cheguei a conhecer. Entre elas, estava uma foto dele mesmo. "Em Braga, com dez anos de idade", lia-se no verso. Era mesmo ele! Apesar do olhar desconfiado para o fotógrafo, o rapazinho traquina que ainda não sonhava que seria meu avô, tinha aquela postura inconfundível com os braços caídos ao lado do tronco, as orelhinhas de abano, a cabecinha muito redonda. Tentei localizar as parecenças de família...os olhos da minha mãe. Depois encontrei uma foto da minha avó, com uns 30 anos no máximo (a minha idade agora), muito penteada e aprumada, apesar da humilde condição social, quase parecia uma estrela de cinema. Encontrei fotos da namorada com quem o meu tio nunca casou, e imensas fotos da minha mãe, adolescente e lindíssima, que me dão a sensação de que a minha mãe seria o tipo de miúda mázinha e convencida com que eu provavelmente andaria à porrada mais depressa do que seria amiga dela. Tinha um ar muito pipi, determinado e ambicioso. Eu sou do tipo irritantemente descontraída, do tipo de sentar no chão, sujar-me de terra, subir aos muros, inventar histórias de mistério em bouças e casas abandonadas. Ainda hoje é assim.

Mas ao olhar estas fotos, concluí que pouco sei da minha família. O meu avô tinha 20 anos quando estourou a Segunda Guerra Mundial. Nunca o questionei sobre isso, mas já vi muitos documentários na televisão. A minha avó sempre foi doméstica, mas alguns dos melhores conselhos de vida que alguma vez escutei, sairam da boca dela nas horas intermináveis que passamos a conversar.

Os meus quatro avós estão todos na casa dos 80, estão bem e recomendam-se. Contudo, o tempo passa por eles (passa por nós todos), e vai afastando a realidade daquela frescura das fotos. Estas pessoas estão a extinguir-se e muito pouco fica delas. Tenho pena e sinto alguma culpa até por não saber mais. Eu também não investigo, não me aproximo. Acho que tenho medo de gostar demais e depois sentir-lhes a falta. Mas tenho uma excelente memória e guardo comigo as suas histórias, os momentos e até as expressões faciais de quando mas contaram. Não há nada mais eterno do que isso. Não me interessam legados materiais, aliás, arrepia-me a ideia de um dia ter de lidar com os pertences de quem já desapareceu.
A minha avó materna já só gosta que lhe ofereçam chocolates. Eu entendo isso muito bem, e agradeço.

Hoje recebi a notícia de que faleceu um meu tio-avô, do lado paterno. Tinha 90 e alguns anos e eu mal o conheci. Só sei que integrou o Batalhão de Sapadores Bombeiros do Porto, e era um homem muito respeitado na corporação. E eu sinto orgulho nisso.
A lembrança mais forte que tenho dele é a de um dia, numa visita de estudo ao Quartel do BSB, dar por ele a olhar para mim, feliz e orgulhoso, porque eu era sobrinha-neta dele e estava no quartel "dele" a admirar-me com os feitos e a bravura daqueles homens.
É uma boa recordação para se ter.

3 Comments:

Blogger Camélia said...

O que eu não dava para ter o meu avô materno de volta....faleceu pouco antes do Natal passado. Era o típico D. Corleone! Grande, com uma barriga de respeito, cabelo grisalho bem puxado para trás (tipo 60's), mãos grandes e enfeitadas com "caxuxos" de ouro. Sempre a espingardar com a minha avó, uma senhora de aspecto angelical mas uma autêntica pestinha (que conseguiu passar estes genes para a mim...) que tinha sempre resposta pronta p/ele.

Tinha o hábito de, nas festas de ano novo, colocar os seis netos em fila (3 raparigas e 3 rapazes), a quem distribuía uma nota de quinhentos escudos como prenda de Natal...era como se tivéssemos ganho o totoloto.

Gostava muito de jogar cartas, a dinheiro, tipo lerpa ou "sobe e desce" (tb eu), e ao Bingo, onde toda a família jogava marcando os números do cartão com feijões. Cada cartão era 5$. Meu Deus! Que saudades!

Parece que se quebrou qualquer coisa. No ano novo, já só nos juntámos para almoçar por causa da minha avó. A minha mãe e os meus tios tb não tinham muita disposição. E eu e os meus primos ficámos cientes de que as coisas já não seriam mais as mesmas...aquela imagem imponente do meu avô, a liderar a mesa à hora da refeição, a minha avó a fazer-lhe caretas nas costas e eu e os meus primos a rir baixinho, já não regressa mais.

Ainda tenho os meus 3 avós vivos...ainda bem! Os nossos avós são quem enriquece a n/infância, defendem-nos das tareias dos pais, mimam-nos com doçuras e brinquedos, e dão-nos os tais conselhos que só agora fazem sentido.

Vivam os avós!

sexta-feira, 27 maio, 2005  
Anonymous Anónimo said...

Ainda antes das lides caseiras, vim espreitar as novidades. Conseguiste resumir muito bem o que eu também sinto em relação aos nossos mais "velhotes". Não sei onde li, que um determinado povo dizia: "quando morre um ancião é uma biblioteca que arde". De facto, tantas vivências e experiências, tantas esperanças e ilusões, tanto de tudo... E extingue-se assim.
Quando se acredita que não acaba aí, não custa tanto; quando não, é uma duplicação do vazio; o próprio e o que fica no lugar da pessoa que parte.
Não será por acaso que nos agarramos tão fortemente às memórias. Os ilustres anónimos que somos, alfinetes neste palheiro imenso da existência humana, só perduram pelas boas memórias que a outros deixamos. Só é pena, que já nem nisso as pessoas pensem, e desalmadamente passem a vida a afastar os demais... É aì que o mal do nosso tempo, a nova liberdade pessoal, a transformar-se em individualismo egoísta. Mas quem não gostava de ser verdadeiramente livre? Solto, de qualquer vínculo... Os Homens sempre sonharam ser deuses, e essa é a essêcia da sua desgraça.

sexta-feira, 27 maio, 2005  
Blogger Alexandre said...

Também eu tenho muita pena de não passar mais tempo com os meus "Anciãos" directos, tanto que aprenderia com eles, tanto que se perde, que se podia perder menos, se ao menos...

Enfim, disseste tudo.

Bonito, muito bonito,
e por isso
Bonita, muito bonita.

sexta-feira, 27 maio, 2005  

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