domingo, dezembro 09, 2007

Ano II

Dois anos dois. Faz dois anos hoj...ontem, já foi ontem, que peguei no meu disponível pai e lhe enchi o carro com os meus tarecos e lhe pedi que me trouxesse à capital. Na altura, eu tinha medo de conduzir por estas ruas íngremes e estreitas, especialmente porque era Dezembro e chovia (sim, ainda foi no tempo em que o Inverno era Inverno e até nevava em Lisboa). Hoje comprei dois gorros e dois cachecóis, lindíssimos, daqueles que acho que vou usar para o resto da vida, mas só no caso de ir mais vezes ao Porto ou me mudar para a Suécia. Caso contrário, nos 20ºC  do Inverno de Lisboa, acabam por fazer comichão... Mas dizia eu que faz dois anos que me mudei para a capital.

Em dois anos, morei sempre na mesma casa, nem sempre com as mesmas pessoas. Presenceei dois incêndios no prédio em frente e hoje tive os Bombeiros cá em casa porque o prédio está a cair. Já trabalhei em bons e maus sítios, já conheci pessoas boas e outras que, na verdade, preferi mal conhecer. Já me apaixonei e já me desiludi. Já fiz amigos que vou levar sempre comigo. Já tive bons dias e tive muitos dias de sol, mas preferia que tivesse chovido mais vezes.
Pois é, cá estou. Cá estamos...
Muito aconteceu, mas pouco ou nada evoluiu a minha opinião sobre esta cidade errática e completamente estúpida, sinal do pior que se consegue fazer em Portugal, à excepção dos pastéis de Belém, e do maior que se faz na Europa. De resto, temos mesmo de continuar a importar gente decente do Norte para ajudar, senão, um dia, Lisboa cai ao rio e vai desfazer-se no mar. É mesmo assim (e agora começam a ouvir-se os  gritos de "Vai para a tua terra!". Vão andando, que eu já vos apanho, filhinhos).

Lisboa está muito mal feitinha, muito enjeitada e muito abandonada. Podia ser fenomenal, mas falta-lhe um bocadão assim. 

As pessoas são ansiosas, desesperadas e individualistas, porque vivem cheias de medos. Medo de perder, medo de falhar, medo que não as deixem passar no trânsito e na passadeira.  Tratam só do seu quinhãozitozinho, e imitam-se umas às outras até ao limite da irracionalidade carneira (desde as filas do multibanco às filas de trânsito, optam sempre pela fila mais longa por maioria de razão e falta de análise das alternativas que existem e estão mesmo ali ao lado, um bocadinho mais à esquerda, por exemplo) pelo que a soma das partes é um puzzle incompetente. 

Os políticos dão o exemplo pior, abandonando Lisboa aos turistas e imigrantes, mantendo a cidade inóspita, em derrocada eminente, com autoestradas e linhas de comboio no meio da cidade, e buracos nas ruas e passeios que, de tão escorregadios e perigosos, são um ultrage para o respeito pela condição e mobilidade humanas, que depois é compensada erroneamente com excesso de passadeiras e os radares a 50km/h em sítios parvos.

Lisboa tem uma graça muito própria: Lisboa é risível.

Lisboa podia ser tão melhor se copiasse qualquer outra cidade do país e visse a qualidade de vida que existe em toda a parte. Portugal é um paraíso, mas Lisboa é um ensaio mantido nos primeiros erros.

Há dois anos, o pessoal no Porto dizia-me que eu não ia gostar da cidade. 
Ninguém do Porto, quando vem a Lisboa, gosta da cidade. Mas não é por ser "Lisboa" e nós sermos "do Porto". É pela percepção inconsciente da falta de qualidade de vida em comparação com o resto de Portugal (o real) que conhecemos. Os lisboetas não sabem o que é viver bem (a não ser que paguem fortunas - o que faz sentir superiores, mas não os faz viver melhor), e nós - os de fora - não lho podemos dizer sob pena de geral alta discussão (muito provavelmente, vide caixa dos comentários). 

Quando cheguei, até gostei de Lisboa, apesar de refilar muito, o que também não mudou. Vários filmes a passar numa cidade só, daqueles que se vêm na tela e daqueles que se passam todos os dias fora do cinema, fascinam-me. É giro, diferente, libertador e tal... Hoje estou convencida que nada aqui faz muito sentido. 
Mas habituei-me. Ainda não tenho sangue de barata, nem percebo por que razão alguém insiste em ser do Benfica, mas a gente habitua-se a tudo, não é?
Demorou quase dois anos, e já digo "bué", já despacho as pessoas com um "então vá, depois falamos" até nunca mais, já não fico a contar com o tal do "beber cafézinho um dia destes", e consigo adivinhar de quem vão ser os "afinal, não vou ao teu jantar" chegados via sms, mesmo em cima ou, quiçá, depois da hora marcada. Já não acredito em promessas, nem mesmo as mais pequeninas, e habituei-me aos sorrisos, ainda que não à sonsice. As pessoas vão e vêm em ondas, consoante eu lhes seja útil. O mar aqui é bem mais agitado, é o que é.
Eu, cá para mim, já desvalorizo tudo, já não quero saber, já faço como vejo fazer, já deixo Lisboa entregue aos bichos que a fizeram assim. O meu carro está amassado, arranhado, cronicamente sujo e eu já não me importo. Já comprei sapatos anti-derrapantes, e visto sempre roupa fresca, mesmo em Dezembro. Substituí o croissant pelo pão-de-deus e traduzi o pingo para café pingado. E já tirei os passes de metro e autocarro. Também já não me surpreendo com os taxistas de lisboa e sei vou dizer mal da minha vida quando voltar a andar de muletas. Já me habituei a tudo, acho. 
Ou já me conformei, é mais isso. 
Dois anos depois, Lisboa cativou-me, mas não me conquistou. É como os gajos, quanto mais vadios e coitadinhos, mais a gente insiste, mas, na verdade, não é bem isto que a gente quer. 

8 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Concordo.

domingo, 09 dezembro, 2007  
Anonymous Anónimo said...

concordo tanto que ate fico triste por tanta gente achar essa cidade um eldorado.

domingo, 09 dezembro, 2007  
Anonymous Anónimo said...

Silvia,

finalmente benvinda à capital do nosso pais! O resto é paisagem...

~~~~~~~
isabel em lisboa

segunda-feira, 10 dezembro, 2007  
Blogger Joana said...

Concordo.
Contra estes factos não há argumentos.

segunda-feira, 10 dezembro, 2007  
Blogger S. said...

E o que seria de Portugal sem paisagem?

segunda-feira, 10 dezembro, 2007  
Blogger Martunis said...

Eh pa...até axo que escreves muito bem, e que o fazes sentidamente...mas que coisa...

Que necessidade tens tu de dizer estas coisas de lx? É verdade que a cidade é suja, que as pessoas são competitivas e nao ligam a meios nem olham para o seu 'parceiro' do lado e o passam por cima? E na tua cidade Natal nao?

Realmente no Porto até podes passar nas passadeiras que ninguem te passa a ferro...NAAAAA. A malta no Porto conduz muita bem realmente...e são todos mt simpáticos e educados e tudo...e limpos...e asseados...e nada vândalos, para não chamar animais ou assassinos...nós temos o casal Ventoso, Vocês têm a Sé...nós temos os anormais do No Name (eu sou benfiquista atenção), vocês têm os animais atrasados mentais dos Super Dragões e Su Macaco...nós temos a 2ª circular e vc têm a VCI!!!!Coisas más há-as em todo o lado...atenção...nao atires pedras ao telhado do vizinho quando tens telhados de vidro...ou de cristal dquele fininho...

mas também é verdade...

Nós por cá temos os Pastéis de Belém, vocês têm as Francesinhas...Nós o Rio Tejo, vocês o Douro e a Foz...nós temos a Gulbenkian, vocês têm Serralves!!! Coisas boas também as há em todo o lado...e é por isso que eu adoro a minha cidade e dificilmente me imaginava a viver noutro sitio, mas da mesma forma axo a Tua cidade uma outra pequena maravilha, com as suas coisas que mais nenhuma outra tem...e é isso que ainda lhe dá a beleza que tem.

Espero que um dia mudes a tua opinião, e que te venhas a sentir conquistada e nao so cativada por esta bela cidade à beira Tejo...mas que nunca percas o que sentes pelo Porto.

Beijos

quarta-feira, 12 dezembro, 2007  
Blogger S. said...

Se tenho necessidade de escrever estas coisas?
Tenho.

quarta-feira, 12 dezembro, 2007  
Blogger Palaroide said...

O bom de ser viver numa cidade que não é a nossa e que não é propriamente o paraíso é que temos sempre um bode expiatório para:
- O TPM
- quando acordamos gordas
- quando acordamos feias
- quando nao temos nada p vestir
- qdo saimos f... do trabalho
- qdo um gajo nos f... o juizo
- etc,etc

Já viste se Lisboa fosse altamente, que seca?
Eu também tenho My Own Private Lisbon;)

quarta-feira, 12 dezembro, 2007  

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