segunda-feira, setembro 26, 2005

Apagar o girassol.

Ontem foi o aniversário da mais querida das minhas amigas. Conhecemo-nos há... (glup)... uns 28 anos, deve ser. Ela fazia 31, mas isso agora não interessa nada.
Interessa que não existe shopping no mundo onde eu lhe possa comprar uma prenda material que exprima o carinho que tenho por ela. Queria oferecer-lhe algo de especial, por isso, toca de varar a noite a fazer uma gracinha no computador que haveria - e haverá, porque correu tudo mal em termos logísticos - de virar... "o presente" (não, não vou revelar).
Com uma hora e meia já de atraso, e aceitando o facto de que, se insistisse nos meus intentos, iria chegar à festa só lá para as 10 da noite, sucumbi à oferta consumista. Sucumbi, mas nem tanto.
Lembrei-me de lhe oferecer uma flor. Só não podia ser uma flor qualquer.
Um girassol. Um enorme girassol. Um belíssimo girasol que fosse bem para além do conceito de florzinha-olha-como-é-linda-e-como-eu-gosto-de-ti-e-como-eu-fiquei-bem-por-trazer-um-raminho.
Menos mal. Havia 3 girassois na florista, um dos quais a perder pétalas. Sobravam 2.
A pouca experiência que tenho de floristas, ensinou-me a confiar no bom gosto delas e na arte de arranjos florais, algo que acho fascinante. Entreguei-lhe o girassol com um pé de metro e coisa e esperei.
A mulher demorou menos de cinco minutos a devolver-me um raminho pequenino, contido, com um cordãozinho de reposteiro atado ao caule que agora tinha pouco mais de 30cms.
Fiquei a olhar para aquilo, e ela começou a mexer na máquina registadora.
- "Olhe menina, vai-me desculpar, o meu dia está mesmo a correr muito mal. Sabe, eu escolhi o girassol porque é grande. E este girassol... bem, este girassol ficou a parecer-se com um malmequer..."
- "Mas, assim é mais prático para caber na jarra...!"
- "Em qual jarra, menina?"
Olhei em volta e constatei que todos os arranjos tinham o mesmo comprimento e todos cabiam, na perfeição, nas jarras, todas iguais e do tamanho de copos de cerveja, que havia na loja. Todas iguais: rosas, malmequeres, jarros e agora um girassol. Senti-me sufocada e quis defender a diferença do girassol.
Voltei à carga, tentando não deitar tudo a perder.
- "Menina, não se preocupe com a jarra, porque eu também não me preocupo. Preocupe-se com a apresentação. Preciso de apresentação, de dar nas vistas, entende? Por isso escolhi um girassol, um girassol com um pé de metro e meio.
- "Bem, posso sempre arranjar-lhe o outro."
-" :) Se fizer o favor... :)"
A mulher foi e dedicou-se a enfaixar o girassol em folhagens e ramadas, todas muito tristes e muito contidas. Ao menos, sobraria o girassol.
Eu não tinha sorte, mas tenho esperança. Aquela mulher só tem as jarrinhas lá da loja.
Paguei a ninharia correspondente e afastei-me, tentando não roçar o girassol em nenhuma das pessoas que não têm mais nada que fazer a um domingo à tarde senão roçar-se, umas nas outras, num shopping de província.

Cortar curto o pé do colorido e altaneiro girassol. Tolhê-lo, contê-lo, conformá-lo. Vidinha tristinha, assim.
Se calhar, sou só eu. Acho que ando a ler demais nas atitudes das pessoas...

10 Comments:

Blogger Fuazona said...

São formas de ver as coisas, se calhar ela trata assim as flores porque é isso que a maior parte das pessoas espera que ela faça. Para ela é uma coisa banal. Quem sabe se certas atitudes que para ti fossem banais não a iam chocar a ela da mesma forma?

Proud to be diferent Silvia! =D

segunda-feira, 26 setembro, 2005  
Blogger Alexandre said...

Formatar o girassol, ai, haverá imagem mais triste?
Há.
A imagem da mulher rodeada de flores todas iguais em jarras todas iguais.
Brrrrr...

segunda-feira, 26 setembro, 2005  
Blogger asterisco said...

Trataste a mulher por "menina"? Que coisa mais fôfa!

segunda-feira, 26 setembro, 2005  
Blogger S. said...

Ticha, eu SEI que algumas atitudes banais em mim, iriam chocar a senhora.
Mas, francamente, bastava ela ter olhos para mim e para a minha escolha de flor, que via logo que eu não queria um girassol metido numa jarra de 20 cms de altura. Pensando bem, quem quereria?
Caramba, não me digam agora que as flores são todas iguais!
Fiquei com pena da senhora, juro.

segunda-feira, 26 setembro, 2005  
Blogger Calvin said...

Uma florista castradora... :o)

segunda-feira, 26 setembro, 2005  
Blogger S. said...

Se visses o tamanho da tesoura... Bem, não era bem uma tesoura. Era mais um ALICATE!

segunda-feira, 26 setembro, 2005  
Blogger Fuazona said...

Ya é um bocado triste...

segunda-feira, 26 setembro, 2005  
Blogger Calvin said...

(arrepio)

:oP

terça-feira, 27 setembro, 2005  
Blogger S. said...

Belo texto, 2x1.
Pena que, este verão, ardeu tudo outra vez.
:S

terça-feira, 27 setembro, 2005  
Blogger Magnolia said...

Chamaram?

terça-feira, 27 setembro, 2005  

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