segunda-feira, julho 01, 2019

Não sei por onde vou, mas já não vou por aí.

Todos temos um limite. Só não nos permitimos admitir ver onde esse limite se encontra.
Por vezes, ultrapassamos o nosso limite, desafiando o nosso próprio bem-estar em prol das necessidades e objectivos de outrém. Pode ser no trabalho, pode ser nas relações com os outros, mas será sempre, primeira e verdadeiramente, na relação connosco mesmos.
E perdemos o limite de vista.
E perdêmo-nos a nós mesmos de vista, e do coração.
E só quando não nos reconhecemos mais — e a última réstia da nossa centelha divina nos incendeia os pelinhos do rabo — é que percebemos que temos de cuidar de nós mesmos primeiro.

Isso não significa passar a ignorar os outros. Isso é infantilidade.
Isso não significa passar a maltratar os outros. Isso é fraqueza de carácter, trauma profundo a precisar de atenção, má formação ou, no mínimo, má educação.
Isso significa, sim, comunicar razões, impôr limites e agir em conformidade.

Às vezes demora ao chegar ao limite.
Às vezes, perde-se uma vida inteira a viver para lá do limite, morrendo um bocadinho a cada dia, sem saber o que correu mal, até se morrer infeliz e vitimizado.
Às vezes, perde-se meia vida a obedecer às circunstâncias externas que nos são nefastas porque acreditamos que estamos a fazer o bem, e só essa convicção é meio alimento para que continuemos.  Mas é só meio alimento.
Vivemos carenciados, coisa que só aumenta.

Até que, às vezes, vivendo mal com o desconforto, temos a irreverência de o questionar. 
Oh, mas que irreverência! O mundo em volta não gosta disso! Chama-te maluca, diz-te "não estás bem da cabeça!", "isso é utopia", "mudaste!", mas nós sabemos que há ali uma porta num sítio qualquer, algo que um dia vamos encontrar e que nos vai permitir ver as coisas com clareza e discernimento. Nós sabemos que existe, só o smog do ram-ram não nos deixa ver claramente. Existe!

E porque o Universo nos dá sempre o que pedimos (ainda que não o queiramos conscientemente), um dia a porta revela-se. Aí, nós revelamo-nos à porta.
Ou bem que estamos prontos e avançamos, ou mal que nos recusamos a ver e nos acagaçamos, ficando mais uns tempos a viver no acolhedor e bem conhecido conforto do desconforto.

É verdade que, por vezes, precisamos de um empurrãozinho. É verdade que, por vezes, até podemos ter uma multidão de gigantes a soprar vuvuzelas e empurrar até que nos esborrachem contra a porta, que, se não estivermos preparados, não a vemos, não a vamos abrir, ou pior, vamos escondê-la de nós mesmos, e vamos lutar para a manter fechada.

Felizmente, também é verdade que, quando estamos prontos, ainda que enremelados e entorpecidos pelo nevoeiro mental, emocional e societal, nos permitimos que um pequeno sopro de anjo nos encoste à porta apenas o suficiente para ela se abrir... E atravessamos.

Caímos estatelados do outro lado. Deixámos tudo para trás. Gastámos toda a nossa última energia de resistência e ficamos ali um tempo, como despojos que dão à costa, meios mortos. Mas prontos para renascer.

Fez-se o click.

A chave rodou na fechadura, engatou no trinco e destrancou o ferrolho. Desatou-se o nó. Fez-se luz, e um novo sol ilumina cada célula do nosso corpo, e a energiza e nos faz sentir o amor pela vida de volta no coração. Foda-se! Aí tudo parece brilhar de novo, tudo, até o mais óbvio e imutável, parece estar mais nítido.

Subitamente, sentimos a força da vida a retornar, os sentidos a voltarem a captar as sensações mais subtis de prazer... e voltamos a sentir-nos vivos. Voltamos a rir, encontramos pessoas com quem fluimos, uma após a outra, como se até ali tivéssemos vivido num planeta estranho e agora voltamos a casa e toda a gente termina as nossas frases e entende as nossas piadas e nos partilha do nosso sentido de humor inteligente, e cada nova interacção, reforça que "esta sim, sou eu".

Reencontrei o trilho. Reconheço a minha tribo, e sinto-me de regresso a uma casa que não sei onde fica, mas que me "lembro" que era mesmo muito fixe.
Minha gente, eu vou a caminho!


PS. Fora de brincadeiras, esta merda acontece mesmo.
Procurem ajuda. Ela existe e está à vossa espera. Atentem aos sinais — eles mostram o caminho. Basta darem o passo.