segunda-feira, julho 19, 2004

O Gato das Botas I

Era uma vez um moleiro que tinha três filhos.
Um dia, o velho, sentindo-se cansado e às portas da morte, chamou os três filhos para lhes dizer que ia repartir por eles todos os seus bens. Ao filho mais velho, deixou o moinho. Ao filho do meio, deixou o burro. E ao filho mais novo, entregou um gato.
Os dois mais velhos conformaram-se com a herança recebida, mas o mais novo ficou triste, achando que o pai havia sido injusto. Por mais que pensasse, não entendia por que razão o pai havia deixado aos dois irmãos mais velhos bens com que poderiam ganhar a vida, e a ele apenas deixara um gato!
- De que me serve um gato?! Estou desgraçado!...
Estava o gaiato a lamentar-se quando, surpresa das surpresas, o gato começou a falar!
- Meu amo, deixai-vos de lamúrias e tratai de me arranjar um saco, um chapéu e um par de botas!, disse o gato em tom autoritário.
O rapaz ficou muito espantado, mas perante a convicção do bicho, não se atreveu a desobedecer.
- E não vos preocupeis, meu amo. Fazei como vos digo, e nunca passaremos fome!
No dia seguinte, o gato recebeu o saco, o chapéu e as botas que exigira. Calçou as botas, pôs o chapéu, pegou no saco e desapareceu floresta adentro.
O Gato nunca demorava muito a aparecer com iguarias que partilhava com o filho do moleiro.

Certo dia, o Gato demorou-se mais um pouco.
Apanhara uma lebre muito gorda, mas tinha um plano ardiloso do que fazer com ela. Meteu a lebre no saco e pôs-se caminho do castelo do rei. Ao chegar lá, pediu para ser levado à presença de Sua Magestade.
Espantados pela maravilha de um gato falante - e que bem falante! -, os guardas do rei deixaram-no passar. Até o rei estava curioso. Era verdadeiramente extraordinário.
- Magestade, venho da parte do meu amo, o Marquês de Carabás, trazer-vos esta linda lebre de presente.
O rei ficou muito impressionado e agradado com a gentileza desse tal de Marquês.
- Diz ao teu amo que lhe agradeço muito!
Nos dias que se seguiram, o Gato voltou ao castelo várias vezes, e de cada vez, trazia presas ainda mais formosas, lebres, perdizes e faisões, dizendo sempre que eram ofertas do seu amo, o Marquês de Carabás. O rei estava cada vez mais intrigado.

Certo dia, o Gato soube que o rei iria visitar as terras do reino, acompanhado de sua filha, a bela princesa, e que a carruagem real passaria junto ao rio. Astuto, disse a seu amo:
- Senhor, tomai banho neste rio, e deixai-me tratar do resto.
- Mas..
- Não discuteis comigo, meu amo. Alguma vez vos desapontei? Confiai em mim, e fazei exactamente como vos digo. Ficai no rio até sentirdes a carruagem aproximar-se! Ide!

Minutos mais tarde, a carruagem real aproximava-se. O gato desatou a berrar desalmadamente:
- Socorro! Ladrões! Socorro!!
Socorro! Que se afoga o Marquês de Carabás! Socorro!! Ajudai o meu amo! Socorro!
Alertado, o rei manda parar a carruagem e ordena aos guardas que ajudem o homem em apuros.
O Gato desfiou então uma recambolesca história de como o Marquês de Carabás havia sido atacado na estrada e atirado ao rio por ladrões que lhe havia roubaram tudo, as vestes, a carruagem e até uma bolsa de ouro.
Enquanto o Gato falava, o filho do moleiro trocava olhares com a filha do rei que logo se encantou com o jovem.
- Perdoai-me, senhora. Não é meu costume apresentar-me tão desalinhado...Permiti-me que me apresente. Sou...o Marquês de Carabás.
Satisfeito por finalmente ter conhecido o reputado Marquês de Carabás, o rei convidou o jovem a juntar-se à comitiva real, subindo para a carruagem juntamente com a princesa.

Aproveitando a comoção do salvamento, o Gato Falante há muito que se afastara, correndo à frente no caminho. Pela estrada fora, avisou a todos que encontrava a trabalhar nos campos que o rei se aproximava, e que se o rei perguntasse a quem pertenciam os campos e para quem trabalhavam os camponeses, que estes respondessem que pertenciam ao Marquês de Carabás.
-...Ou o meu amo há-de vos cobrir de paulada!

Mais à frente, o gato avistou um palácio grandioso e logo perguntou a dois moços que ali se encontravam a quem pertencia o palácio.
- Não te proximes dali, gato. Pertence a um ogre malvado que te come assim que te puser a vista em cima!
O Gato agradeceu o aviso e correu para porta do castelo. Tocou à porta e pediu para ser recebido.

Ao encontrar-se com o Ogre gigante, o Gato Falante retirou elegantemente o chapéu, bateu os calcanhares, desenhou a vénia mais respeitosa e falou-lhe no tom mais melodioso.
- Ah, senhor, que honra é conhecer-vos finalmente. Tenho ouvido as histórias mais fabulosas a vosso respeito!
- Ah sim? - O ogre já só pensava em devorar o gato gordo e tão bem cuidado.
- Mas são histórias tão extraordinárias que, confesso, tenho dificuldade em acreditar...
- Que histórias são essas, gato?, perguntou o ogre vaidoso.
- É verdade que conseguis transformar-vos no animal que desejardes? Assim, num qualquer?
- Claro que é! disse o gigante. 
- Qualquer um??
- Sim! Posso transformar-me naquilo que eu quiser!, trovejou o ogre, já irritado.
- Conseguis transformar-vos... num elefante?
O Ogre imediatamente se transformou num elefante que quase não cabia no salão.
- E se for...num leão?
E o ogre transformou-se logo num leão.
- Impressionante, senhor. Mas um leão é fácil. É do vosso tamanho. Aposto que não conseguis transformar-vos num animalzinho pequeno, assim, talvez, como um ratinho...
- Claro que consigo. Eu consigo transformar-me em qualquer coisa!
E puf!! o Ogre transformou-se no mais pequenino rato, e bem ao pés do Gato das Botas. Num salto só, o gato apanhou o ratinho e comeu-o.

Enquanto isso, na estrada, o rei ia perguntando a quem pertenciam os formosos campos de compunham a paisagem. Os camponeses limitavam-se a seguir as instruções do Gato das Botas. "Pertencem ao Marquês de Carabás, senhor. Ao Marquês de Carabás!"
O rei e a princesa estavam maravilhados! O filho do moleiro, também.

A carruagem chegou finalmente à entrada do castelo do Ogre, onde foram recebidos pelo Gato que lhes acenava, chamando:
- Vinde! Sejeis bem vindos à propriedade do meu amo!, exclamou o Gato. E abriu as portas, de ala em ala, mostrando as riquezas inimagináveis que acabara de conquistar ao ogre malvado.
No salão de festas deixara preparado um banquete repleto de iguarias e dos melhores vinhos do reino.
O jovem filho do moleiro nem queria acreditar no que o seu Gato acabara de aprontar. O rei não cabia em si mesmo de satisfeito, e a princesa estava perfeitamente encantada pela simplicidade do jovem e abastado Marquês de Carabás.
- Quanta riqueza! Quanto requinte e bom gosto! Senhor Marquês de Carabás, haveis conquistado a minha simpatia e vejo que algo mais na minha filha. Se essa for a vossa vontade, ficarei grandemente honrado se desposasseis a princesa! Tendes a minha benção! disse o rei.
A princesa anuiu, sorridente e o filho do moleiro não teve nem como nem por quê recusar a proposta.
Apenas dias mais tarde, a boda celebrou-se e todo o reino festejou, com muita felicidade, pompa e circunstância, o casamento da princesa com o Marquês de Carabás.

E assim foi. O filho do moleiro, a quem o seu pobre pai deixara apenas um gato, tornou-se Marquês de Carabás e viveu feliz para sempre ao lado da princesa mais bela do reino, e na companhia do seu fiel escudeiro, o Gato das Botas.


(conto recontado e acrescentado em apenas alguns pontos por Silvia Sem Filtro)

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Ao tempo que não lia esta história. Faz tanta falta rever estes contos! Os miúdos de hoje já não ligam a estas coisas, já não sabem sonhar!
Era tão giro imaginar os castelos, pensar como seria a voz do gato, querer ser princesa num reino de fantasia...hoje as princesas querem telemóveis, chats, discotecas aos 12 anos e namorado aos 13. O Gato das Botas deve ser uma loja qualquer e um moleiro é provavelmente um homem mole.
Desconhecem o privilégio de ter vivido na era dos carrinhos de esferas, do careca bébé chorão, do Marco, da Abelha Maia e do Jornalinho. Não fazem ideia de quem é o Calimero e desconhecem a Tuxa!
Dificilmente sabem o que significa um rajá e não devoram o pacote imteiro das super gorilas para fazer balões. Nem sequer viram a série "Verão Azul" com o pescador barrilete e aquela malta que gozava férias a sério (como nós): sem playstations, gameboys ou jogos de computador.
Já não pedem à mãe para ir p'rá rua saltar ao elástico, jogar ao "batata frita", "rei manda", "cá vai alho" ou ao macaquinho do chinês.
Podia estar o dia inteiro a divagar sobre esse maravilhoso tempo....Meu Deus!

Sílvia, um grande bem haja e o muito obrigado pelas recordações que subtilmente me fizeste lembrar.

Camélia, a Nostálgica

quarta-feira, 21 julho, 2004  
Blogger S. said...

Esta é a melhor estratégia de relações públicas e gestão de imagem desde o tempo em que os animais falavam!

quarta-feira, 21 julho, 2004  
Blogger Blogger said...

obrigada pelo momento de retorno à infância/inocência que acabaste de patrocinar.
gosto muito do teu blog.
um beijinho,
aguarela

sábado, 24 julho, 2004  

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