Unnoticed.
Ele nunca me liga. Se eu não lhe ligar, podem passar-se meses sem um contacto, o que curiosamente imita um padrão antes recorrente em vários níveis na nossa relação. Hoje ele ligou-me. Precisava de algo, uma orientação sobre como chegar de A a B. Desde sempre eu fui o posto de informações mais próximo e preparado. Anos seguidos ele me perguntou qual o autocarro que teria de apanhar para ir não-sei-onde, apesar de ser sempre o mesmo. Também me perguntava onde estavam as chávenas, as colheres e até os pincéis dele, que estavam sempre no mesmo sítio. Aquilo que sonhávamos fazer juntos, sonhávamos juntos. Como o haveríamos concretizar, pensava eu sozinha. E foi sozinha que fiquei a pensar no que tinha deixado de correr bem.
Do lado dele, nunca houve grandes explicações. Houve grandes silêncios. Ele também nunca chegou a dizer porquê. Não deve ter pensado muito a sério no assunto e, muito menos, nas consequências. Com a minha ajuda e orientação, lá conseguiu sair de casa e ir viver para um apartamento que eu encontrei para ele. Está no mesmo sítio até hoje e já lá vai uma mão cheia de anos.
Há dias que me andava apetecer ligar-lhe. Porque ele já foi a parte mais importante da minha vida, e mesmo tendo deixado de o ser, continuo a ter muito carinho por ele. Interessa-me saber se está bem, se se alimenta, se não tem asma, se o trabalho corre bem, quando é que se casa (agora já diz que nunca). Ele só me liga quando precisa de apanhar um autocarro, localizar uma loja, perguntar-me se a minha net funciona, porque a dele não, ou se está doente e a namorada está longe. Existe algum ressabiamento, alguma frustração, admito, porque ele desistiu sem aviso de um compromisso que eu pensava que partilhariamos para o resto da vida. Curiosamente, algumas das coisas que planeámos fazer juntos, eu faço agora sem precisar dele. Naturalmente. Nunca fiz uma lista, mas são metas que sempre estiveram comigo e que ele dizia partilhar.
Enquanto estivémos juntos, a minha energia só chegava para um: ele. O tempo passou, e nunca concretizámos coisa alguma. Hoje, ele, que até tem mais condições do que eu, anda num ram-ram que me provoca perplexidade. Vive mergulhado, mas aparentemente satisfeito, em tudo aquilo que me dizia e repetia que o sufocava, que o deprimia, que o revoltava, e que eu tanto tentei resolver por todas as vias e quase sempre para além da minha própria conveniência. Eu pensava: se ele estiver feliz, eu estarei feliz. Um dia chegamos lá. Tentei tudo, fiz de tudo, só faltou tentar a magia, mas não foi suficiente ou não foi evidente ou dramático que chegasse para que ele notasse o esforço. Não me arrependo de nada. Levei-me até ao casco. Não ficou nada por fazer, nada por tentar, nada por dizer. Um dia, uma coisa que eu não sabia que existia e que se chama 'instinto de auto-preservação' gritou mais alto. Deixei-o ficar e avancei. E os anos passaram, como tudo o resto.
Ele hoje ligou-me.
Perguntou-me como andam as coisas, disse-me o que estava a fazer, perguntou-me se havia novidades, eu disse que não, perguntou-me pelas férias, eu disse que não sabia, que ia à Austrália...
"...WOOOOOWWW!... Austraaaaliaaaa!!!!!...." Eu sabia que ele reagiria assim.
Soube-me muito bem sentir aquele espanto chocado durante todos aqueles intermináveis segundos de "I didn't know you had it in you". Pois não, meu querido. Pois não.
Do lado dele, nunca houve grandes explicações. Houve grandes silêncios. Ele também nunca chegou a dizer porquê. Não deve ter pensado muito a sério no assunto e, muito menos, nas consequências. Com a minha ajuda e orientação, lá conseguiu sair de casa e ir viver para um apartamento que eu encontrei para ele. Está no mesmo sítio até hoje e já lá vai uma mão cheia de anos.
Há dias que me andava apetecer ligar-lhe. Porque ele já foi a parte mais importante da minha vida, e mesmo tendo deixado de o ser, continuo a ter muito carinho por ele. Interessa-me saber se está bem, se se alimenta, se não tem asma, se o trabalho corre bem, quando é que se casa (agora já diz que nunca). Ele só me liga quando precisa de apanhar um autocarro, localizar uma loja, perguntar-me se a minha net funciona, porque a dele não, ou se está doente e a namorada está longe. Existe algum ressabiamento, alguma frustração, admito, porque ele desistiu sem aviso de um compromisso que eu pensava que partilhariamos para o resto da vida. Curiosamente, algumas das coisas que planeámos fazer juntos, eu faço agora sem precisar dele. Naturalmente. Nunca fiz uma lista, mas são metas que sempre estiveram comigo e que ele dizia partilhar.
Enquanto estivémos juntos, a minha energia só chegava para um: ele. O tempo passou, e nunca concretizámos coisa alguma. Hoje, ele, que até tem mais condições do que eu, anda num ram-ram que me provoca perplexidade. Vive mergulhado, mas aparentemente satisfeito, em tudo aquilo que me dizia e repetia que o sufocava, que o deprimia, que o revoltava, e que eu tanto tentei resolver por todas as vias e quase sempre para além da minha própria conveniência. Eu pensava: se ele estiver feliz, eu estarei feliz. Um dia chegamos lá. Tentei tudo, fiz de tudo, só faltou tentar a magia, mas não foi suficiente ou não foi evidente ou dramático que chegasse para que ele notasse o esforço. Não me arrependo de nada. Levei-me até ao casco. Não ficou nada por fazer, nada por tentar, nada por dizer. Um dia, uma coisa que eu não sabia que existia e que se chama 'instinto de auto-preservação' gritou mais alto. Deixei-o ficar e avancei. E os anos passaram, como tudo o resto.
Ele hoje ligou-me.
Perguntou-me como andam as coisas, disse-me o que estava a fazer, perguntou-me se havia novidades, eu disse que não, perguntou-me pelas férias, eu disse que não sabia, que ia à Austrália...
"...WOOOOOWWW!... Austraaaaliaaaa!!!!!...." Eu sabia que ele reagiria assim.
Soube-me muito bem sentir aquele espanto chocado durante todos aqueles intermináveis segundos de "I didn't know you had it in you". Pois não, meu querido. Pois não.
18 Comments:
Compreendo exactamente o que sentes. Pena que algumas pessoas não se mentalizem que perdem um namorado, não um amigo que as conhece bem e que as ajudou e ouviu muito.
chato quando depois de tanto tempo perto alguem falha em nos conhecer.
bijo
concordo.
Esclarecida ;)
Segundo zUm
E quando eh que pensas vir ah Australia?
;) Raul
Podem passar-se anos...que ele saberá que pode recorrer a ti, e sabes pq?? Pq qdo s vive algo assim, por mais que n queiramos, entranha-se em nós, de tal forma, que um dia temos necessidade de ouvir nem que seja a respiração daquela pessoa, que um dia, (mtos dias,alias), foi nossa!
bjo
Em Novembro, se tudo correr como planeado.
:)
Your kingdom will come!
:)
Sou padrinho de casamento de uma ex-namorada e ela é madrinha do meu filho mais velho. É, também, a minha segunda-melhor amiga. O pior que ela me fez, foi ter-se mudado para Oeiras, mas as obras estão a demorar tanto tempo, que ainda cá está. Numa nota egoísta, espero que demorem muito mais tempo...
Aconteceu-me o mesmo.
Fiz o mesmo.
Ainda só não escrevi um post sobre isso, ou se calhar escrevi muitos.
Não andamos cá para carregar as cruzes dos outros. O problema é que a nossa vai ficando mais pesada...
Boa! Entao ja sabes que se passares por Canberra tens de fazer uma visita a um Portuga exilado ;)
Olha que eu aceito o convite!!
:P
Obrigada
É gira a história.
Gostei do post do asterisco.
O ano passado enontrei-o com a filhota ao colo, nunca os planeámos, mas podia ser nossa... Não nos telefonamos, não nos encontramos (só por acidente). O que sabemos um do outro sabe-mo-lo por vozes travessas, vozes que insistem num passado que foi absolutamente maravilhoso. Hoje ele está só, não me pergunta direcções mas veio para cá "porque quero ser como tu, quero que te orgulhes de mim!" - e eu já me orgulhava tanto só por ser como era....
Resta-me uma lembrança tão saborosa que ainda me cheira a ramagens verdes, tanques de pedra, pinheiros e fogo... O nosso caminho é longo e incerto, mas um dia sentar-nos-emos à mesma mesa a lembrar tudo isto, sém mágoas e com muito, muito carinho!
Sei o que sentes porque eu também senti o mesmo mas depois percebi que ele também sentia e entao eu percebi que nao era só eu que sentia daquela maneira. Se calhar tens a certeza absoluta que eras o elo mais forte e ele também pensa da tua maneira porque se hoje nao sentisses nada nao tinhas escrito este post. A vida dá muitas voltas e a maior parte dela sem a gente perceber nao é mas o que importa é que a vida continua. Nao conhecia o teu blogue que é muito intímo porque te expoes muito e se calhar isso é bom para ti. Vou voltar para ler uma nova aventura em que estejas mais feliz. Beijinhos,
Gi
Ok, Gi. É obvio que todas as pessoas que alguma vez chegam a significar algo para ti, te marcam. Mas há viagens que só se fazem uma vez, e coisas que só se compreendem á posteriori.
Quanto a este blog ser muito íntimo... err... mais ou menos. És livre de interpretar como quiseres, aliás, aqui toda a o gente é.
Aparece. ;)
Gostei muito deste post Sílvia. Muito.
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