Cheguei ontem de manhã a Lisboa.
Cheguei de comboio, ao Oriente. Cheguei de muletas (canadianas em dialecto mais fino) porque o senhor doutor disse que, se eu não queria agravar a "contusão meniscal" que consegui arranjar no joelho, que deveria evitar pôr o pé no chão, andar de muletas, pôr gelo e mais gelo (ou ervilhas congeladas, é mais prático) e repousar.
Eram 10h05 quando o Intercidades chegou. Deviam ser umas 10h10 quando apanhei o taxista mais energúmeno, antipático e, agora constato, LADRÃO, da Cidade de Lisboa. Há muitos, eu sei, são um postal ilustrado.
Como tinha deixado o meu carro perto do Oceanário, o que são uns 10 minutos a pé, mas uma meia hora muito mais sacrificada em muletas, decidi apanhar um táxi para me levar lá. Uma corrida muito curta, eu sei, e que iria requerer um mínimo de humanidade do taxista que a aceitasse. Pois claro que à Sílvia não lhe podia aparecer uma pessoa simples e descomplicada, alguém simpático ou sequer menos ganancioso, quiçá uma má pessoa num dia bom. Não, à Sílvia tinha de lhe aparecer o Lucífer vociferante, o Scrooge em dia de pagamento de impostos, o Dr.Hyde em overdose de poção marada... às 10 da manhã. Em 200 metros de corrida (portanto, o suficiente para dar a volta a meia estação do Oriente), o senhor acusou-me de ser preguiçosa, de morar na estação do Oriente e querer ir passear para o Oceanário e ir querer ir de cu de tremido. Hoje arrependo-me de não lhe ter corrigido essa noção com a muleta que tinha mesmo à mão.
Pois achei que não tinha de ouvir aqueles disparates, e em vez de fazer orelhas moucas e deixar que o homem enfrentasse o castigo de fazer uma corrida de 3 euros, eu cometi o erro de o deixar a falar sozinho e sair do taxi. Ora, com casaco, mochila, carteira (mala de senhora, de miúda, pronto) e um par de muletas, alguma coisa teria de ficar para trás. Ficou a minha carteira favorita com uma fortuna em 2 telemóveis e uma fortuna ainda maior em porta-chaves de valor estimativo, as chaves do carro, da casa em Lisboa e da casa no Porto.
Devia ter driblado o homem.
Agora só me apetece esborrachá-lo.
Quando dei pela falta das coisas, já ia no Casino Lisboa, o que é uma distância enorme para percorrer de muletas. Senti-me como se estivesse no meio do deserto sem sequer um espelhinho para fazer sinais de luzes ou um plásticozinho para recolher água do orvalho. Sem carteira, sem dinheiro, sem telefones e sem maneira de contactar fosse quem fosse (já só sei o número de telefone de casa dos meus pais porque eles me obrigaram a decorá-lo aos 3 anos, por razões de segurança), sem chaves para ir buscar o carro (duas vezes sem mobilidade!!), e sem chaves de casa para me esconder dos maus desta cidade, eu estava... SÓ!
Mãe de férias, namorado de férias, amigos incontactáveis, restava-me ir trabalhar, mas isso implicava apanhar um táxi....aaaarrrgh!!
Felizmente, a distracção que tão bem me caracteriza também valeu para eu me ter esquecido dos documentos em casa, e ter apenas o porta-moedas com o dinheiro e com os cartões... no bolso!!!
Ao fundo, a tremelicar nas ondas de calor que (este verão não) se fazem sentir em Lisboa, vi um PSP. O meu salvador. Não foi, mas deu apoio moral. Foi comigo ao Serviço a Clientes da CP para atestarmos que não tinha deixado nada no comboio, e depois à esquadra onde me deixaram ligar para os telemóveis e as centrais de táxi, e me contaram as histórias mais horríveis sobre os taxistas de Lisboa.
Ainda assim, tive de enfrentar o medo e apanhar um táxi para ir trabalhar, ou tentar. Passei o dia a ligar para os telemóveis, que ficaram ligados até à noite. Mandei mensagens, amigos meus mandaram mensagens e ligaram. Os dois telemóveis devem ter recebido dezenas de chamadas, e o energúmeno nunca atendeu. À noite, ambos foram desligados. Foi o fim.
Estou a gelo.