Estou contente por me ir embora. Aliás, nem é tanto por ir embora, mas por ter uma oportunidade de recomeçar novamente. É bom. Been there, done that, loved it, e agora faço de novo.
Confesso que também estou a chegar ao meu limite de muitas coisas.
Dizem-me os DCs que vou arruinar a minha vida ao voltar ao Porto, ou "menos mal", uma vez que vou para a agência que vou. E eu sinto que ainda bem que vim, que descobri o caminho terreste para Lisboa e que, afinal, a capital da fava nova-rica não fica no infinito, mas sim no final da A1 - tal como um dia espero mostrar a alguns lisboetas a descobrir que o Porto não fica nessa massa disforme, indistinta e cinzenta que é "O NOOOORTE..." -, e que cá posso voltar para apreciar apenas as coisas boas, sem me sentir agredida pelas menos compreensíveis. Sinto que vou voltar para onde a vontade, a sinceridade dos sentimentos, o compromisso e a palavra são um bocadinho mais usuais (só um bocadinho assim), e sinto que vou voltar a ter o meu espaço.
Estou cansada de dividir casa. Cansada de ser a única a suprir necessidades comuns, a única a acrescentar conforto à casa, a única a pagar as contas e a ter de correr atrás das pessoas para pagarem a sua parte. Estou farta de emprestar as minhas coisas e farta de as ter de pedir de volta. Estou cansada, incomodada e quero voltar a ter controlo total sobre o espaço e o conteúdo do frigorífico. Quero voltar a deixar a manteiga ganhar ranço e as batatas grelarem porque me esqueci de as comer. Quero um trem de cozinha de luxo. Quero conhecer todas as especiarias que tenho junto ao fogão. Quero uma placa térmica e um forno sempre limpo. Quero ir ao hipermercado uma vez de três em três meses para comprar massa, arroz e cevada que me chegam para meio ano. Quero encher o congelador de gelados do Lidl que não desaparecem por artes alheias. Quero TER espaço no congelador para gelados e refeições pré-cozinhadas e packs de gel para o joelho. Não quero explicar a mais ninguém que o detergente da roupa não é partilhado. Quero ter a MINHA varanda, com a MINHA rede brasileira, e a MINHA mesinha de varandim sem manchas de vinho alheio e cinza de cigarros que não fumo. Quero ser eu a partir e escanar as minhas canecas favoritas.
Quero ir-me embora.
Não queria deixar o calor, mas tenho saudades do ar fresco.
Vou ter saudades da Lisboa que não conheço e que, todos os dias, vou decifrando um bocadinho mais. Vou ter saudades do desafio permanente da cidade, ainda que concorde que me dispersa a energia e me distrai constantemente. Vou transferir essa curiosidade que me anima para o trabalho e para outras capitais da Europa e do Mundo. Vou furar a bolha.
Vou ter saudades de algumas pessoas, e vou ter saudades de pessoas com as quais já não falo há meses e que, caso não lhes houvesse dito que ia voltar para o Porto, continuaria sem falar.
Aprendi muita coisa.
Não sou a mesma pessoa que era quando cheguei.
Estou mais céptica, mais cínica mesmo, e muito mais desafectada. Tenho o coração menos escancarado e não tenho grandes ilusões em relação a nada: nem trabalho, nem afectos, nem destino. É o que for, e vou vivendo. Aqui ou no Porto, ou onde for parar, se parar, quando parar.
Não peço mais nada, não espero nada. Aprendi a viver sózinha, a valer-me sózinha, e quando peço alguma coisa a alguém é por puro mimo.
Vou voltar para casa e o que espero é ser contagiada por uma paixão por um projecto, por um objectivo, é entrar numa batalha e ganhar o que for preciso. E mostrar o que valho, sem filtro e sem pretensões, mas apenas exigência pura.
Gostava de levar algumas pessoas comigo. Porque seria melhor para elas - não sei se para mim, mas, pronto, eu safo-me sempre no final.
Um coisa que as pessoas de Lisboa têm, é que, já que dependeu sempre de mim, ficarão sempre à mesma distância, estando eu aqui, ou no Porto. Por isso, podia até ir já amanhã.
Só que Lisboa lançou-me mais um fiozinho de pesca para me entreter mais uns dias. E eu fico. O importante é que já sinto vontade de voltar - "o chamamento" - e que demorar-me muito mais começa a irritar-me levemente.
Ando a despedir-me, a revisitar sítios, a passar uns últimos dias como se fossem férias antes de voltar ao trabalho, à vida real, no País real. ;)