Uma tremenda injustiça.
O dormir às escuras ou com a janela aberta, o ler na cama que incomoda o outro. O gostar de estar em casa quando o outro nunca pára. O ter sido amigo e confidente e ver essas confidências atiradas à cara na primeira discussão conjugal. É o sentir que se está no sítio errado a tentar fazer as coisas certas. O não ter liberdade de ir a casa, quando a casa fica a 300kms e não a 50 metros. É o achar que é com os estranhos que se faz cerimónia, mas afinal não é. É o estar de coração aberto e sentir que isso não está a ser suficiente ou percepcionado como tal pelo outro. É o ter a intuição de que o outro nos olha, mas não nos vê. É o ter a certeza de que aquele palco jamais será a tua casa. É o sentir, que por baixo de todas as ilusões, todos os traumas anteriores, todos os desacertos, existe uma boa vontade que deveria ser resgatada. É o saber que, quando mais nada importa, quando o cenário é neutro, quando uma alma encontra a outra e o mundo não manda nada, tudo corre bem.
Vivo entre dois mundos. Aquele que era e aquele em que se tornou. E não tinha de ser assim.
É uma tremenda injustiça.
Valha-me a consciência tranquila de que não fiz nada de errado. Nunca menti, nunca enganei, nunca desrespeitei. Fiz o que soube (mesmo que desajeitadamente) de coração aberto e confiante. Levei por tabela.
Hei-de me curar. Mas apetecia-me desencarnar deste mundo em que os estúpidos parece que reinam. E começar de novo. Noutro lugar.